Nas últimas décadas do controle colonial, Portugal encorajou activamente a produção e gravação de música de artistas locais. São criados os Estúdios Valentim de Carvalho, em Luanda, que apenas cessam a sua actividade em 1975. O resultado foi uma mini-indústria que, combinada com a excitação da liberdade que se antevia, viu nascer excelentes músicos e diversos estilos originais entre meados dos anos 60 até à Independência.
A música de Angola foi moldada tanto por um leque abrangente de influências como pela história política do país. Durante o século XX, Angola foi dividida pela violência e instabilidade política. Os seus músicos foram oprimidos pelas forças governamentais, tanto durante o período da colonização portuguesa, como após a independência. Ao longo dos anos, a música angolana influenciou também o Brasil e Cuba.
Luanda, capital e maior cidade de Angola, é o berço de diversos estilos como o merengue, kazukuta, kilapanda e semba. Na ilha ao largo da costa de Luanda, nasce a rebita, um estilo que tem por base o acordeão e a harmónica. Há quem defenda que o próprio fado tem origem em Angola.
O semba, que partilha raízes com o samba (de onde a palavra tem origem e significa umbigada), é também predecessor da kizomba e kuduro. É uma música de características urbanas, e surge com das cidades, em especial com o crescimento de Luanda. À volta desta capital, criam-se grandes aglomerados populacionais, os “musseques”.
O “musseque” (expressão que em língua nacional kimbundu significa "onde há areia", por oposição à zona asfaltada) é o espaço de transição entre o universo rural e a cidade.
A vivência quotidiana do musseque é a temática que predomina nas canções destas décadas: o filho desaparecido no mar, a garota de minissaia, o assédio sexual entre o patrão (branco) e a criada (negra), os conflitos conjugais, a infidelidade amorosa, a condição da lavadeira, o feitiço e o enfeitiçado, o lamento da infância e a concretização da praga anunciada. A primeira partitura conhecida data de 1875. Chama-se ”Madya kandimba” e conta a história de um europeu de amores com a sua empregada africana.
No musseque nascem as turmas, pequenas formações de músicos que tocavam no fim das tardes, ao pôr-do-sol. Os músicos faziam também parte dos grupos de Carnaval. São estas turmas os embriões da grande maioria dos grupos musicais angolanos que passaram a dominar musicalmente as cidades. Motivados por uma paixão pelos ritmos nacionais, a sua música integrou muitas vezes influências de estilos musicais de artistas congoleses, latino-americanos, entre outros.
Em bairros como o Coqueiros, Imgombotas, Bairro Operário, Rangel, e no Marçal vivia-se um ambiente intimista de preservação das músicas e tradições angolanas, marginalizadas pela dominação colonialista presente na época. O folclore dos musseques (bairros pobres) fascinam parte de uma geração de jovens lutadores de famílias humildes e resistentes, que resolve criar o seu próprio estilo musical, afirmando a especificidade da cultura angolana, numa época muito conturbada. O respeito e a admiração pela música, dança, provérbios e vivência tradicional das gentes, o interesse pela música tradicional e pela cultura suburbana enquanto divulgação dos usos e costumes da linguagem e cultura angolana são as linhas mestre das canções desta época. A música era para eles uma forma de lutar sem armas, era uma forma de resistência cultural.
O primeiro grupo a tornar-se popular, dentro e fora de Angola, foi a Orquestra Os Jovens do Prenda. Chico Montenegro foi um dos fundadores, de onde se destacam também Verry Inácio (percussionista), António do Fumo (vocalista), Zé Keno (guitarrista) e Cangongo (viola-baixo). O grupo foi fundado em 1966 por jovens residentes na comuna do Prenda, tendo como base instrumentos tradicionais de percussão e um violino. Fundado nos finais dos anos 60, os África Show foram o primeiro entre os grupos angolanos a introduzir o órgão no seu aparato de instrumentos. Esta alteração foi algo de inédito na época, pois a temática dos grupos não fugia do folclore angolano. O conjunto que nasceu na Associação da D.Filó, no bairro Indígena, município do Rangel, em Luanda, teve como fundador o músicos José Massano Júnior, e integrava ainda Zeca Tirileny, Tony Galvão e Quim Amaral. Nomes como Nito Saraiva, Baião, Zé Keno e Belmiro Carlos, todos solistas, Carlos Aniceto Vieira Dias (também conhecido como Liceu Vieira Dias), Didinho, Raul Tolingas, Vininho e Tinito: Weba, Belita Palma que foi temporariamente vocalista do conjunto, e Teta Lando, fizeram também parte dos África Show.
Embora fundado no bairro Indígena, o Conjunto sempre ensaiou no Marçal, primeiro em casa de um amigo e posteriormente em casa de Massano Júnior. O conjunto viajou três vezes para Portugal, tendo gravado todos os seus LP pela Valentim de Carvalho, tornando-se em determinada altura em conjunto privativo da editora.
África Show acompanhou vários artistas durante a sua vigência. Gravou com artistas como Zé Viola, Urbano de Castro, Óscar Neves, António dos Santos, Quim dos Santos, Elias Dia Kimuezo, Duo Mumulha, entre outros. A sua linha melódica estava mais virada para o lado sentimental, sem descorar o semba. Os N’Goma Jazz formaram-se em 1964 por Caetano de Lemos, Sebastião Matomona, Mangololo, Domingos Ferreira, Garcia Kapioto, Zé Manuel e Augusto Pedro, e foram considerados um dos melhores grupos dos anos 70. Acompanharam também, entre outros, Urbano de Castro. São também referência desta época os grupos Os Kiezos e os N’Gola Ritmos.
Alguns dos cantores destes grupos notabilizaram-se como solistas. Carlos Lamartine iniciou sua carreira artística em 1956 como "crooner", cantando para distintas turmas da capital angolana, até 1958. Foi posteriormente percussionista no grupo liderado por Sousa Júnior. Criou a turma «Macocos do Ritmo», e foi vocalista dos «Águias Reais». Os Águias Reais introduziram os instrumentos de sopro no seu conjunto, sendo um dos primeiros grupos a fazê-lo. Com Barceló de Carvalho (Bonga), outro insigne da música angolana, fundou «Os Kissueia» nos anos 60, no bairro do Marçal. Kissueia é uma palavra kimbundo que se refere à miséria dos bairros pobres.
Os Kissueia faziam parte dos músicos nacionalistas que cantavam a mensagem sobre a necessidade do alcance da independência. Contavam com o apoio do povo e muitos sofreram perseguições e represálias do sistema vigente. Nos cantores de intervenção, merecem ainda destaque os casos de Belita Palma, Minguito, Artur Nunes, Luís Visconde, Sofia Rosa, Mestre Geraldo e Maestro Liceu Vieira Dias (Carlos Aniceto Vieira Dias), entre outros.
O Maestro Liceu Vieira Dias é considerado o pai da música popular angolana. Numa base de violas acústicas, introduz a dikanza (reco reco) e as ng’omas (tambores de conga) nas suas canções. O seu som torna-se popular na década de 50, nas áreas urbanas, onde a audiência é favorável à sua mensagem politizada e aos primeiros pensamentos nacionalistas.
Mário Silva, vocalista da Banda Kissanguela foi autor de canções de referência no anos 50, 60 e 70, com dois singles editados em 1973: “Maza” e “Bossa do Violão”. Foi contemporâneo de Santos Júnior, Artur Adriano e Filipe Mukenga.
Artur Adriano teve em “Belita” a maior referência do seu repertório. “Kalumba” é também um clássico. Artur Adriano compôs músicas em que exaltou a beleza feminina, ocorrências do quotidiano do musseque, num processo de integração musical consubstanciado nos valores da cultura nacional.
Mário Rui Silva aprendeu a gostar de jazz com o pai, que foi também responsável pela influência da irmã Ana Paula. Um amigo violinista, Tomás, leva-lhe uma banda magnética com a célebre música “Luanda”, de Eleutério Sanches, e aguça-lhe o gosto pela música angolana. Os dois irmãos, com o amigo Totota, formam os “Twists” e mais tarde os “Jovens”. Por volta de 1968, trava conhecimento com Fausto e com os poemas musicados de autores angolanos, que lhe servem de inspiração. Adere a tudo o que diga respeito à luta pela independência. Óscar Ribas, seu vizinho, oferece-lhe o livro de sua autoria – “Izomba” – que se torna uma biblía para Mário Rui Silva. Conhece Liceu Vieira Dias, com quem trava grande amizade, e tocam juntos com frequência, em casa do Mestre, trocando ideias sobre os acordes dissonantes de que Mário fazia uso. É Liceu Vieira Dias que motiva Mário Rui Silva a estudar o violão comum, as músicas populares do seu tempo e as suas origens.
Sofia Rosa nasceu no Ambriz, província do Bengo e viveu no bairro da Samba, em Luanda. Em 1963 integra como cantor o agrupamento Teatral Ngongo, fundado por José de Oliveira Fontes Pereira. Participa numa digressão do grupo a Portugal e grava para a televisão. O seu primeiro "single" foi gravado em 1970, seguindo-se depois sete, todos pela Valentim de Carvalho. Sofia Rosa foi um dos melhores criadores e intérpretes da música em língua nacional kimbundu, traduzindo o pulsar da vida da gente pobre. No tema "kalumba" louva a beleza da mulher.
O dia a dia, as lamúrias proferidas pelas gentes das sanzalas, bairros e musseques, o sentimento do amor e perseverança estão contidos nos seus trechos que transportam o público para o mundo da saudade nas aguarelas angolanas, dia do trabalhador, kutonocas, farras onde Sofia Rosa arrastava multidões. Sofia Rosa esteve também vinculado aos Corvos, mas todo o seu talento artístico veio à tona com "Os Astros" com quem gravou "Kalumba" e "Ngue Xile Ku Tunda Bu Sambila". O artista morreu em 1975.
Elias diá Kimuezo é o Rei da Música Angolana. Nasceu no Bairro Marçal, com o nome de Elias José Francisco, no dia 2 de Janeiro de 1936. Aos 7 anos de idade, torna-se órfão, facto que o obriga mais tarde, aos 12 anos a ir viver em casa da avó, no Bairro Sambizanga, onde aprende a comunicar-se de forma fluente, na sua língua materna o kimbundo.
A sua constante frequência no Samba Kimúngua, na zona do Bungo em Luanda, onde residiam vários operários do Porto e dos Caminhos de Ferro que tocavam e dançavam o Kinganje, fez com que descobrisse, aos 15 anos de idade, a sua vocação artística, que o leva a integrar-se na Turma do Margoso, como vocalista principal e tocador de bate-bate. Dois anos mais tarde, muda-se para o agrupamento Os Kizombas, que naquela altura, tocava nas farras do Salão Malanjinho no Bairro do Sambizanga. Com o tempo foi-se aprimorando na arte de cantar, e tornando-se cada vez mais conhecido.
Em 1969 surge o Festival Folclórico das províncias Portuguesas, a ter lugar em Portugal, e o mesmo é convidado, para, com o Grupo de Rebita do Mestre Geraldo e Os Marimbeiros de Duque de Bragança, oriundos de Malanje, representar a Província de Angola. O seu desempenho artístico, como o dos restantes artistas, mereceram elevados elogios da crítica e dos analistas culturais locais, pelo que lhe foi colocada a proposta, prontamente aceite, de gravar 2 “singles” para a editora Valentim de Carvalho. Foram então feitas as respectivas gravações, “Mualunga”, “Ressurreição”, “Muenhu Ua Muto” e “Zum-Zum”, que tiveram as participações de Barceló de Carvalho (Bonga), Rui Mingas, Teta Lando e dos Marimbeiros de Duque de Bragança. O lançamento das obras, com muita pompa e circunstância, teve lugar no Cine-Restauração, um dos cinemas mais chiques de Luanda. O sucesso crescia dia após dia, e em face disso, Elias diá Kimuezu, é galardoado com o título de “Melhor Intérprete da Canção Angolana”. Este prémio era atribuido anualmente, aos artístas que se destacavam na Província de Angola, pelo CITA-Centro de Informação e Turismo de Angola.
Em 1972, em compensação, pelo seu abnegado trabalho em prol da música, recebe uma estatueta referente aos “11 mais da cidade de Luanda”, que premiava as 11 figuras mais destacadas nas diversas áreas profissionais e sociais na cidade de Luanda. No ano de 1974, fruto do intenso trabalho de mobilização, é novamente preso com seu irmão mais novo “Chico Suiça” e remetidos de imediato para “São Nicolau” – Campo I das Salinas, caserna III, donde saíram após clarificação do processo de descolonização e o Sistema ser obrigado a tratar da libertação de todos os presos, principalmente os do foro político.
Aquando da criação do Agrupamento “Kissanguela”, por Mário Silva foi Elias diá Kimuezo, quem sugeriu o nome do mesmo, tendo em conta o momento que se vivia e o trabalho que se pretendia que o Agrupamento produzisse. Desde os meados da década de 60 que Elias diá Kimuezo, pela qualidade do seu trabalho e a constância do seu desempenho, foi considerado como “O Rei da Música Angolana”.
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